sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Laerte Coutinho

O cartunista Laerte, sobre se vestir de mulher: "É uma emoção como saltar de paraquedas"

Laerte Coutinho está vestido de mulher e todo mundo sabe disso. Sabemos também que ele compra suas roupas em brechós na rua Teodoro Sampaio. Que gosta de fazer as unhas e de salto médio nos pés. E que ele, sim, tem uma namorada. O que ainda não ficou claro, apesar de todo o rebuliço causado por suas aparições com o novo visual, é o porquê de gostar de esmaltes, sapatos femininos, lingeries.
Fruto de um processo que começou em 2004 e só foi se realizar plenamente em 2009, a atitude de Laerte confunde porque embaralha a percepção dos papéis de homens e mulheres. Laerte é um paradoxo de salto alto.
Foi em 2004. Joguei a tira do Hugo na qual ele se vestia de mulher gratuitamente, não estava fugindo da máfia nem nada. Ele simplesmente se veste de mulher e sai à rua. Isso chamou a atenção de uma crossdresser, de uma travesti, que me contactou por e-mail e disse "será que você não tem isso também?". Funcionou como uma porta aberta. Antes disso, são coisas difusas, obscuras. Foi em 2004 que eu percebi que essa ideia estava desvinculada de qualquer fantasia, era uma vontade mesmo. Vontade de frequentar a área cultural do outro gênero, o reservado das mulheres. O modo como os meios de comunicação representam esses pensamentos cristalizados também é interessante porque ele é sempre conservador, procura tranquilizar o leitor. Uma matéria sobre  numa revista feminina, diz que isso é uma coisa normal: "Querida leitora, se o seu marido começar a mexer nas suas calcinhas, não entre em pânico. Não quer dizer que ele virou uma bichona, ele só está experimentando" []. Não fala nesses termos, mas é isso que está sendo dito no subtexto. O que é interessante, porque é verdade, não quer dizer mesmo. Mas, ao mesmo tempo o sub-subtexto é o seguinte: "O normal é o heteroerotismo". Tudo que é desvio é uma exceção. "Você, querida leitora, se seu marido é gay, então salta fora". Tem um livro de duas jornalistas que saiu agora que procura alertar para esse tipo de coisa: sinais de que seu marido no fundo é gay, portanto, você está num casamento do qual deve fugir. Na capa, tem um casal na mesa tomando café, a mulher meio neutra, e o cara na frente dela, tomando café e por baixo do pano da mesa você vê uma perna com um sapato de salto. Quer dizer, está dizendo que o cara é travesti, crossdresser, coisa assim, portanto, gay.

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